domingo, 8 de novembro de 2009
O professor está cada vez mais doente
À primeira vista, não parece, mas a profissão de professor pode ser perigosa. O perigo nem sempre é concreto, como o salário baixo e a carga horária alta, mas também se trata de uma série de abstrações: a falta de incentivo, os problemas de convivência com os alunos, a falta de condições de realizar um bom trabalho. Tudo isso junto em muitos casos interfere diretamente na saúde dos professores, que estão cada vez mais doentes e desmotivados.
O aluno está cada vez mais agitado
Segundo dados do Sindicato dos Trabalhadores em Educação do Rio Grande do Norte (Sinte), em 2009, dos 985 afastamentos de professores dos quadros da rede estadual e municipal, 98 foram devidos a problemas de saúde causados pelo trabalho. Os professores que são considerados inaptos para o trabalho acabam realocados em outras funções. É comum um professor ir trabalhar na biblioteca ou cuidar de um laboratório, etc. O processo é chamado de readequação permanente e é responsável por uma média de 10% dos afastamentos. “É uma porcentagem que se repete ao longo dos anos. E é um número alto”, afirma Fátima Cardoso, coordenadora-geral do Sinte. Os problemas mais comuns, de acordo com o Sinte, são: doenças coronárias, problemas de coluna, na voz, problemas psicológicos e psiquiátricos.
O Sindicato também informa que a média de afastamentos é de mil professores por ano. Neste número está implicado a quantidade de aposentados, cujo principal motivo é o tempo de serviço, exonerados e mortos. O número de mortos é baixo em comparação com os outros, apenas nove neste ano. “Dificilmente um professor pede exoneração ou aposentadoria por problemas de saúde porque se perde 40% do benefício. Então os professores normalmente preferem se sacrificar por anos e anos a pedir a aposentadoria por saúde”, explica Fátima Cardoso. E complementa: “Os professores estão sujeitos a todo o tipo de estresse, por conta de problemas de salário e condições de trabalho, além dos problemas inerentes à profissão”.
Toda essa problemática fica condensada na sala de aula, para prejuízo de ambas as partes envolvidas – alunos e professores. O que o professor ganha não é suficiente para o sustento de casa e família. Por conta disso, ele precisa trabalhar em mais de um lugar, sacrificando as horas que seriam de descanso. Os professores da rede estadual e municipal de ensino têm, com raríssimas exceções, dois ou três empregos. Isso significa pelo menos dois horários preenchidos por aula. Como se sabe, também são necessários planejamento e tempo para corrigir provas. Com dois horários preenchidos, só restam duas opções: ou o professor planeja e corrige no único horário livre ou faz o trabalho pela metade. “Infelizmente, o trabalho do professor hoje é visto como algo braçal e não como algo intelectual. É muito trabalho presencial e pouco planejamento”, lamenta o professor de química Luizmar Braga dos Anjos, de 34 anos, que trabalha durante dois turnos em escolas do Estado há nove anos.
Uma rápida conversa com Luizmar e seus colegas de turno na Escola Estadual Varela Barca, localizada em Soledade II, na Zona Norte, é suficiente para entender o tamanho do problema. Luizmar, Edilson Júnior e Osnaide Queiroz – todos trabalhadores na área de educação há muitos anos - reclamam praticamente das mesmas coisas: a falta de condições e as dificuldades com o trato dos alunos. “Os alunos estão cada vez mais agitados, o que obriga o professor a falar sempre alto e exige muito controle emocional”, conta Luizmar. “Para mim, o principal desconforto é financeiro porque o professor não tem condições de arcar com certos custos”, complementa Osnaide Queiroz.
O professor de História Roberto Flávio é uma das vítimas das dificuldades de ser professor na rede pública de ensino. Roberto está afastado há quatro meses de suas funções na Escola Varela Barca porque sofreu um colapso nervoso. Ele chegou a manifestar sintomas de síndrome do pânico e, com retorno autorizado pelo médico para o próximo dia 3 de dezembro, está repensando a conveniência de voltar ao magistério.
Roberto Flávio se define como um professor “que tenta fazer algo diferente”. Isso se traduz na gana que o professor tem de fazer da sala de aula um ambiente produtivo e criativo. O blog da Escola Varela Barca, por exemplo, está sob responsabilidade dele. Outros projetos já foram iniciados por ele e outros colegas de profissão – como um sistema de aulas gratuitas de reforço nos sábados – mas a falta de incentivo sempre é um problema. “É difícil tentar fazer a diferença quando não se recebe apoio dos seus chefes, dos seus pares e até dos alunos”, conta Roberto Flávio, que é professor há 15 anos.
No caso específico do professor Roberto, foi a falta de incentivo que o levou a adoecer e se afastar do trabalho. Contudo, ele enfrenta também um problema físico. “Estou com um problema nas cordas vocais e ainda não consegui verificar o que está acontecendo. Quando estava no médico tive esse problema, esse colapso nervoso e só agora vou me tratar. Espero que não seja um calo nas cordas vocais”, aponta.
A sensação de impotência faz com que o professor, segundo Roberto Flávio, aparente ser alguém “sem identidade” na escola. “O professor sabe o nome de todos os alunos, mas o aluno nunca sabe o nome do professor. O professor fica completamente sem identidade nesse processo”, afirma. Por tudo isso, Roberto Flávio já pensa em não retornar para a sala de aula. O futuro dele pode ser uma das bibliotecas da Zona Norte. “Eles me chamaram e estou pensando se aceito. Desse jeito, eu também largaria o magistério na rede municipal. Faço com idealismo e carinho o meu trabalho, mas tive um filho recentemente e preciso cuidar da minha saúde. Idealismo não garante a vida de ninguém”, encerra.
O alvo
Para o especialista em saúde mental André Luís Leite, o professor acaba sofrendo no dia a dia por não ter uma diferenciação clara entre o tempo de trabalho e o tempo de descanso, além de ser alvo de muitas expectativas por parte de alunos, diretores e pais.
“O professor é alvo de muitas expectativas durante o trabalho. São alunos durante a aula, os pais que querem saber como está o aprendizado, os chefes que também cobram”, exemplifica. E complementa: “Além disso tudo, o professor não tem poder de resolutividade no seu trabalho. Muitas vezes, o processo dá errado por outros motivos além do controle dele. Isso causa uma sensação de ineficácia, que é a maior causa de adoecimento no trabalho”.
De acordo com o Sinte, o Governo do Estado e a Prefeitura de Natal não têm nenhum programa de acompanhamento da saúde do professor e nem um trabalho consistente para avaliar os efeitos negativos da carga de trabalho na saúde desses profissionais. “Tentamos colocar um médico do trabalho como pauta de reivindicação desde 2003, mas sem sucesso”, lamenta Fátima Cardoso, coordenadora do Sinte. A reportagem tentou contato com as secretarias, mas não obteve retorno.
Fonte: www.tribunadonorte.com.br
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